
Atualmente, um termo tem se ouvido com mais frequência entre educadores e pais e está relacionado ao que se convencionou como “Escuta Infantil”.
Dar voz, considerar, perceber, acolher, favorecer autonomia, são verbos que indicam uma atitude que vai para além da ‘ação de escutar’. Eles demonstram que o adulto envolvido no processo necessita manter uma postura disponível, atenta, de cuidado e afeto em relação à criança. Isso nos faz pensar um pouco sobre como nós, os adultos, compreendemos o valor desse caminho e se realmente o estamos praticando.
Um artigo publicado em 2012, pela LDE – The London School of Economics and Political Science, revela que a forma com que os pais (ou cuidadores) exercem sua autoridade em relação à criança em seus primeiros anos de vida pode influenciar diretamente a maneira como elas se desenvolvem emocional e socialmente. O estudo também fala sobre a importância de que o adulto mantenha uma atitude aberta para ‘ouvir’ e acolher as demandas infantis, garantindo que a criança desenvolva um ‘apego emocional’ saudável.
Estudos brasileiros, liderados por Adriana Friedmann, mostram que alguns pais ou professores podem relacionar o processo de escuta com ‘permissividade ou perda de autoridade em relação à criança’. De acordo com esses estudos, esse é um fator que faz com que os adultos desconsiderem a importância dessa escuta, antes mesmo de praticá-la
No entanto, é possível que os adultos mantenham seu papel de educar, colocar limites e estabelecer pontes seguras entre as crianças e o mundo e, ainda assim, manter uma relação de escuta ativa, garantindo o desenvolvimento e segurança emocional que as crianças precisam para sua formação de identidade.
Rubem Alves no texto “A Escutatória”, disse: “Daí a importância de se ouvir o outro: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto”.
Mas será que existe algum caminho que nos ajude a ampliar a compreensão dessa beleza em escutar as crianças? Como nós podemos criar espaço na relação com os pequenos de forma a garantir que seus anseios e necessidades sejam garantidos?
É importante compreendermos que cada criança tem necessidades, repertório e interesses que são únicos. A singularidade é o primeiro aspecto de validação no caminho de uma escuta ativa. Podemos identificar características que são comuns à faixa etária, mas sem perder de vista que as crianças são indivíduos e é preciso conhecer e acolher suas individualidades.
Respeitar a individualidade da criança nos leva a outro ponto, o de que precisamos e podemos aprender com ela. Se eu considero cada uma de forma singular, então as estratégias que utilizo para lidar com as crianças serão diferentes e precisaremos nos abrir para esse entendimento.
As crianças têm algo a dizer! Muito, aliás. Eles são atores sociais e protagonistas de sua própria história e a maneira como eles percebem o mundo à sua volta possui beleza e profundidade. Loris Malaguzzi, pedagogo italiano, nos leva a considerar não somente a maneira como a criança pensa, mas a forma com que eles pesquisam, produzem sentido e conhecimento das coisas. Em seu poema “A criança é feita de cem”, Malaguzzi diz que cada criança possui cem linguagens diferentes e elas podem manifestar isso através de diversas expressões. Algumas utilizam a palavra oral ou escrita, outras são musicais. Outras se expressam melhor através da dança, outras preferem recorrer às expressões plásticas. Brincar é o caminho que cria possibilidades para que sejam constantemente desafiadas e possam dar vazão livre à sua imaginação.
É importante dizer também que escutar a criança não é ‘fazer tudo o que ela quer’, como alguns podem pensar. Nem sempre concordaremos com os desejos dos pequenos ou conseguiremos corresponder às expectativas e demandas. Mesmo assim, podemos acolher os sentimentos da criança e considerá-los legítimos.
Algumas dicas podem ser consideradas, se você quiser começar a praticar hoje mesmo:
Ofereça seu tempo com ‘inteireza de presença’. Ao sentir que a criança quer lhe dizer algo, pare para ouvir.
Pratique a ‘relação simétrica’, ou seja, abaixe-se no mesmo nível de altura e procure olhar em seus olhos enquanto fala.
O afeto é mais que importante. Abrace, coloque a mão no ombro, segure com delicadeza.
Sempre que possível, observe as brincadeiras e brinque junto. As crianças nos dizem muito enquanto brincam pois é o momento em que expressam sua imaginação e subjetividade.
Crie um tempo e um espaço para realizarem experiências juntos. Vale dançar, contar estórias, preparar uma refeição, pintar, cuidar das plantas ou de um bichinho de estimação, assistir um filme, realizar cuidado da casa...
Se algo der ‘errado’ ou não sair exatamente como você previu, tente de novo. Um caminho não é feito de um dia para o outro. Como já disse o poeta espanhol, Antonio Machado, “Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar...”
Desejo muita escuta ativa por aí e boa sorte!
Beijos carinhosos
Cristiane Medeiros
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